Associação de Ex-alunos da FD UnB questiona renomeação do auditório Esperança Garcia
- Maré Atlântico Negro
- Aug 19, 2020
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Associação de Ex-alunos da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília apresenta pedido questionando a renomeação do antigo auditório Joaquim Nabuco para Esperança Garcia, reconhecida como a primeira mulher advogada do Piauí pela Comissão da Verdade da Escravidão Negra da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Piauí por peticionar em 1770.

O documento abaixo foi apresentado pela Alumni e questiona o ato aprovado na reunião do Conselho da Faculdade de Direito como consta na ata da reunião de nº 128 da instância colegiada que apresenta: foi colocada em votação a renomeação do Auditório Joaquim Nabuco para "Esperança Garcia", a qual foi aprovada pela maioria dos presentes, com um voto contrário e duas abstenções.
O pedido de renomeação foi feito pelo Centro Acadêmico de Direito da Universidade de Brasília e pelo MARÉ - Núcleo de Estudos em Cultura Jurídica e Atlântico Negro em ato público com a presença da direção quando do encerramento da XXI Semana Jurídica da Faculdade de Direito que teve como tema Raça, Memória e História Atlântica, em 2018.
Foi lida a carta que abaixo transcrevemos:
Existe um lugar comum, político e teórico, de denúncia da recusa brasileira a lidar com sua história: o Brasil como país que não enfrenta seu passado e os fantasmas vivos que o atravessam até o presente. Essa é uma narrativa que remete especialmente à ditadura militar. Situando a raça no centro deste debate, limites do repertório do direito à memória vem à tona. Construídos a partir da experiência colonial, a memória, os mitos fundadores, o discurso oficial acerca da história do país, traduzem sobretudo tentativas de apagamento das agências negras e indígenas e manutenção de lugares sociais de subalternidade, produzindo uma cidadania interditada pelo genocídio, em suas múltiplas dimensões, mesmo em períodos democráticos.
Considerando o tema da XXII Semana Jurídica da UnB, “Raça, Memória e História Atlântica: Enegrecendo a gramática do Estado de Exceção nos 30 anos da Constituição Federal e 130 anos da Abolição”, o Maré - Núcleo de Estudos em Cultura Jurídica e Atlântico Negro, e o Centro Acadêmico de Direito da UnB - Gestão Mandacaru, seguindo a longa tradição amefricana de disputa política na arena pública e de participação ativa na história da nação, propõem a renomeação do Auditório Joaquim Nabuco da Faculdade de Direito da UnB para Auditório Esperança Garcia.
Esperança Garcia foi uma mulher negra que viveu no Piauí na condição de escravizada. Em 6 de setembro de 1770, redigiu uma petição endereçada ao governador da então capitania de São José do Piauí denunciando maus tratos sofridos por ela, sua família e suas companheiras de sina sob administração do capitão Antônio Vieira do Couto. Entre seus pleitos estavam o cessamento da violência física sistemática sobre si e seus filhos; a reunião com seu esposo, de quem fora apartada após seu envio para outra fazenda; e condições dignas de vida e de exercício de sua fé. Esperança Garcia se destaca pela resistência por meio do direito e pela atuação como membro da comunidade política que a escravizava, usando da palavra para se afirmar como sujeito. Em 2017, Esperança recebeu da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Piauí o título de primeira mulher advogada do estado.
Joaquim Nabuco, a seu turno, foi um homem branco de família escravista nascido em Pernambuco. Foi diplomata, historiador e jurista formado na Faculdade de Direito de Recife, um dos principais nomes dentre os abolicionistas e formuladores de um projeto de nação independente. Seu projeto abolicionista, no entanto, pautava uma abolição lenta. Nabuco negociava com senhores de escravos que seriam indenizados pela perda de sua propriedade. Em suas palavras, carregadas dos ideais eugenistas do racismo científico, a raça negra era dotada de “desenvolvimento mental atrasado”, “instintos bárbaros” e “superstições grosseiras”. Para ele, seria “no Parlamento e não em fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças das cidades, que se [veria][haveria] de ganhar, ou perder, a causa da liberdade”.
O passado é tão aberto quanto o futuro. Assume importância aqui a disputa das narrativas sobre o passado como modo de afirmar pleitos de direitos no presente. Num ato de recuperação da imagem, reivindicamos a figura de Esperança Garcia abrindo os caminhos de sua própria liberdade. Compreendendo a importância dos lugares da memória (monumentos, pontes, prédios, museus) na construção de um imaginário coletivo de dignidade para o povo negro e de afirmação de um compromisso com uma cidadania de fato, fazemos esta inscrição no espaço da Faculdade de Direito: de hoje em diante, quem por aqui passar saberá que aqui estivemos nós.
Somos advogadas negras e negros afirmando outros caminhos possíveis por meio da educação e da luta por direitos. Somos os próprios quilombos do interior entrando pela porta da frente nas faculdades e tribunais, somos as festas e greves negras das ruas e praças da cidades, somos São Domingos e Malês e a Boa Morte, somos Laudelina e Mãe Beata insubmissas, Dandara, Teresa de Benguela, Dora Lúcia e Ana Flauzina. Somos Esperança!
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